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A percepção das sensações do corpo na flexibilidade da postura e no contato com o ambiente

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A autora discorre sobre os benefícios da eutonia para a manutenção da posição vertical levando em consideração aspectos físicos e psicológicos.

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Luciana Gandolfo. IN: Encontro Paranaense, Congresso Brasileiro de Psicoterapias Corporais, XVIII, 2013. Anais. Curitiba: Centro Reichiano, 2013.
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economia de esforço, estrutura óssea, postura ereta, flexibilidade postural, contato
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Publicado no site em
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06/05/2016
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Luciana Gandolfo

Luciana Gandolfo

Resumo                                                      

O objetivo da prática da eutonia é orientar a pessoa a focalizar a atenção em um segmento do corpo sem perder de vista a totalidade, para ampliar a percepção das sensações e promover o fluxo energético, aliviando e diluindo as tensões. As transformações ocorridas durante a vivência são integradas na organização da postura e do corpo como um todo. O trabalho realizado individualmente potencializa o que chamamos em eutonia de contato consigo mesmo, que é direcionado para o contato com o ambiente e com o grupo. Para isso, utilizamos a orientação verbal e objetos complementares, como bambus e bolas de tênis. O objetivo final é a interação do aluno com as múltiplas possibilidades de relação com os colegas, através da expressão do movimento corporal consciente. A consciência da postura, para a eutonia, é uma atividade de contato consigo mesmo, de encontro e de expressão. Transcende a estética do corpo e expressa sua beleza ao desvelar a harmonia das combinações das estruturas vivas das habitações individuais.

Palavras-chave: Eutonia . Postura . Consciência Corporal . Tônus

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A arte de permanecer em pé

A postura ereta é primitiva e fundamental, é o reflexo da atitude histórica do homem em seu processo adaptativo de contato com a natureza e consequente evolução cultural.

A estrutura óssea humana se equilibra milagrosamente na posição vertical e, contrariando as leis da física, balança sutilmente em seus ajustes de equilíbrio e não cai. Apoiado sobre os dois pés, pequenas superfícies com 26 ossos de tamanhos e estruturas diferentes, 31 articulações e 20 músculos, o corpo humano mantém um diálogo constante com a força da gravidade. Os ossos se organizam a partir de direções muito precisas, apoiando e oferecendo apoio, além de fornecer através das articulações alavancas que possibilitam a ação muscular para o movimento. Entender a direção dos ossos é muito importante para organização da estrutura como um todo. Como os músculos estão inseridos nos ossos, podemos dizer que os ossos é que dão a direção para os músculos.

As tensões estão na musculatura, pois os músculos reagem aos eventos da vida e são responsáveis por todas as ações. Podemos afirmar que as tensões que moldam a postura corporal são autobiográficas, pois nos contam uma história, expressam os processos com mais ou menos profundidade e às vezes mostram o que negamos ou tentamos esconder.

Aquilo que atua como pano de fundo na manutenção da posição vertical é a tonicidade, que age como alicerce da postura ereta e consequentemente dos movimentos que brotam desta estrutura. É neste ponto que a prática da eutonia trabalha, observando e prestando atenção nas variações da tonicidade. Com isso, procura trazer para consciência os pontos de fixações do tônus que limitam a liberdade de uma postura flexível. Estes pontos que se enrijecem em seu componente físico sempre ocultam a expressão de uma memória emocional. Algo que não está claro no campo da consciência passa a limitar a capacidade de manter o corpo alinhado em sua verticalidade, a prontidão para ação e o movimento. O psiquiatra Ervin W. Straus mostra que a postura não diz respeito apenas ao equilíbrio e aos problemas técnicos da locomoção, mas contém aspectos psicológicos (STRAUS, 1966).

Na prática da eutonia, ao percebermos as fixações do tônus, entramos em contato com os conteúdos relacionados com a criação da tensão, clarificando o que estava oculto e liberando o corpo para a ação do presente. O  eutonista trabalha durante a aula com a sensibilização da pele, a consciência dos ossos e do volume do corpo – elementos físicos que colaboram para construir a imagem do corpo. Ajuda a localizar os vários segmentos do organismo, sensibilizando para a experiência da percepção da estrutura viva, incluindo a subjetividade inerente aos espaços internos do corpo. De maneira que, apesar de trabalharmos a postura com a noção universal do corpo em sua verticalidade, incluímos uma abertura para a subjetividade da atitude postural de cada pessoa.          

A consciência da postura, para a eutonia, é uma atividade de contato consigo mesmo, de encontro e de expressão. Transcende a estética do corpo e expressa sua beleza ao desvelar a harmonia das combinações das estruturas vivas das habitações individuais.

Existem vários métodos que propõem cuidados com a postura. Apesar de haver grande demanda suscitada por problemas fisiológicos (dores articulares ou males da coluna, como hérnias de disco, por exemplo), muitas pessoas procuram um especialista, movidas por aspectos subjetivos. Nesse caso, atribuem à postura significados de atitude e expressão. Isso pode ser compreendido através de comentários como “me sinto mais elegante” ou “pareço arrogante quando minha cabeça está alinhada”. Há pessoas que se referem a uma postura ereta como capaz de expressar “a dignidade de uma postura de vida”, ou então associam uma postura curvada com “o peso de uma vida que cai sobre os ombros”. É evidente que, ao cuidarmos da postura, aspetos físicos e subjetivos são contemplados.

A história da postura é ancestral, já que o ser humano é uma espécie que conquistou a verticalidade, esforçou-se para liberar os braços e, dessa forma, passou a utilizar a riqueza de possibilidades das funções das mãos. Nesse processo os olhos se anteorizaram, afinaram-se em uma nova atitude relacionada com o equilíbrio em dois pés, criando um mundo próprio à sua volta ancorado na nova postura adquirida.

A posição vertical evidencia o esforço e as intenções evolutivas do ser humano até os dias de hoje. Se o corpo não continuasse mantendo o constante esforço para ficar em pé, a força da gravidade certamente agiria em sua forma natural e o resultado seria o desabamento do corpo. A postura vertical, portanto, é uma maneira ativa de estar no mundo. Qualquer método que tenha como objetivo cuidar da postura, seja na área da saúde, como a fisioterapia, seja na área da psicologia ou das terapias somáticas (que envolvem corpo e mente), deve levar em conta esse fato. A conquista da postura ereta é um processo biologicamente orientado, e há um sentido de autopreservação da história do homem contido na posição ereta.

Essa proposta nos abre um leque de infinitas possibilidades de organização da riqueza e complexidade de um corpo habitado. Trata-se de uma maneira prática de trabalhar o corpo integrado no ser que o habita, e não como um objeto moldável, à procura de um modelo estético e mecânico.

A postura é considerada atitude, possibilidade de presença, e desvela momento a momento a complexidade da pessoa total e integrada. Considerada desta maneira, a atitude postural irradia o ser de dentro para fora, disponibilizando e tornando visível a potência de cada indivíduo para o contato, para o encontro real com o ambiente e com as outras pessoas.

No plano individual, a postura vertical é uma conquista que depende de um árduo aprendizado. Para o bebê, a capacidade de ficar em pé leva meses para ser adquirida e lhe dá um grande status. Este diálogo com a força da gravidade, e com outras forças que atravessam o corpo e são percebidas pelos sentidos, só termina com a morte.

Gerda Alexander nos propõe adicionar a consciência a este processo. Em eutonia, dá-se o nome de transporte ao reflexo postural adicionado de consciência. Ele permite, por exemplo, que os alunos percebam que as emoções interferem na forma como empurram o solo durante o caminhar – o que muda totalmente o ritmo, o peso ou a imagem do corpo durante o passo.

A prática da eutonia reserva ainda um tempo para a reflexão. O aluno tem um tempo para traduzir as sensações do corpo verbalmente. O conteúdo dessa fala é a matéria prima das reflexões individuais e em grupo. Essa é uma forma de trazer para consciência os temas que emergem pela via da sensibilidade corporal. Torna-se possível testemunhar através da própria experiência a função de um corpo condutor, que capta e manifesta os temas que estão guardados no inconsciente individual e coletivo. O conteúdo percebido pela sensibilidade do corpo constitui a base para a reflexão, o autoconhecimento ou a expressão artística. Sobre este tema, o psiquiatra Wilhelm Reich concluiu que

 A linguagem deriva claramente da percepção de movimentos internos e de sensações dos órgãos, e as palavras que descrevem estados emocionais refletem diretamente o movimento expressivo correspondente do organismo vivo. (REICH, 2009, p.332)

No início da prática da eutonia, é comum que a pessoa não encontre as palavras para expressar aquilo que sente. De início, o terapeuta orienta para que o aluno simplesmente observe as diferenças de temperatura e de peso, incentivando-o a descrever as sensações do contato da pele com os tecidos da roupa. Ao longo do tempo, grande parte dos aspectos subjetivos passa a ser descrita por meio da utilização da linguagem poética, com o emprego de imagens, metáforas ou associação de ideias. Por fim, uma grande riqueza emerge dessa descrição das sensações corporais.

Dispor com consciência do próprio corpo significa fazer dele a matéria-prima para uma vida mais saudável e para uma educação integral. É também a chave para muitas manifestações artísticas como a dança, a música, o teatro, as artes plásticas e as artes manuais, e ainda a base do respeito e do acesso ao outro e ao mundo que nos cerca.

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Referências:

GAINZA, V. Conversas com Gerda Alexander. São Paulo: Summus ,1997

STRAUS, E. Psicologia Fenomenológica. Buenos Ayres: Paidós, 1966

REICH, W. Análise do caráter. São Paulo: Martins Fontes,2009