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Eutonia: refinar-se no autocuidado, através do auto toque
A autora trata da relação entre a eutonia e a busca necessária aos cuidados com a saúde do corpo.
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Há aproximadamente trinta anos, dedico grande parte do meu tempo ao cuidado de seres humanos. A Eutonia é o caminho que escolhi, através do toque, do movimento, e da atenção ao verbo corporal construímos as bases de um encontro do qual Gerda Alexander deu o nome de Contato. Por este caminho tenho acompanhado a vida, a morte, os amores, as paixões, as doenças, enfim o universo humano por meio da corporeidade. A Eutonia é um método terapêutico e pedagógico que orienta a pessoa na busca dos cuidados necessários à saúde do corpo, da mente e do espirito. Por esta razão é considerada uma prática de autocuidado, já que, ensina a pessoa a aprender sobre si em sim mesma através da consciência profunda do corpo vivo. Nas palavras de Gerda Alexander, “ A Eutonia propõe um método de investigação do ser humano para entender a si a partir de si próprio, usando o corpo como instrumento de acesso”.
O Autocuidado
Cuidar de si é tecer a individualidade própria.
Matéria bruta, fragmentada; assim seríamos nós se privados dos cuidados. O cuidado agrega, delineia a forma e transforma a pessoa. Por ter sido cuidado é que o ser humano pode se prestar aos cuidados do outro. Desde as primitivas fases do bebê, é através do cuidado e da atenção amorosa com o corpo e com a alma que acontece o desenvolvimento físico, mental e psíquico do ser humano. O bebê morreria sem os cuidados necessários à sua sobrevivência. Ao longo da vida, todo o cuidado recebido é transformado em autocuidado, um alicerce que permeia o amadurecimento constitutivo do ser humano, é este manejo constante no modo próprio de se cuidar, que molda a individualidade.
O autocuidado é considerado uma prática de si, depende e gera o autoconhecimento, estas premissas são muito antigas, surgiram nas civilizações gregas e romanas. O filósofo grego Aristóteles dizia: “conheça a ti mesmo”; Sócrates perguntava: “tu te ocupas de ti mesmo? ” Algo tão próximo de nosso cotidiano, que merece atenção, é tema de reflexão.
Os filósofos contemporâneos também associaram o auto de se Cuidar ao ato de se conhecer: Martin Heidegger afirmava: “o homem que se ocupa de seus cuidados, torna-se proprietário de seu destino”; Michel Foucault tocou o assunto sob outro ponto de vista: “constitua-te livremente pelo domínio de si mesmo”.
O cuidado envolve o corpo, a mente e o espírito que necessitam de nutrição, se alimentam de nossos "apetites" – desde a disciplina com a dieta, exercícios físicos, prática intelectual, controle do próprio ego e seleção de desejos. Nas palavras de Michel Foucault “(…) nos gregos e romanos, (…) para se conduzir bem, para praticar adequadamente a liberdade, era necessário se ocupar de si mesmo, cuidar de si, ao mesmo tempo para se conhecer (…) e para se formar, superar-se a si mesmo para dominar em si os apetites que poderiam arrebatá-lo. ” (Michel Foucault. Ética, sexualidade, política, 2012, pág. 262)
Por ter sido cuidado é que o ser humano pode lidar com os cuidados do outro. Com o passar do tempo e o desenvolvimento das civilizações, as instituições passaram a deter esse conhecimento. A responsabilidade pela saúde se deslocou do indivíduo para os médicos; a educação para as escolas e professores e os cuidados com o espírito foram delegados à igreja.
O indivíduo deixou de se sentir responsável pelos cuidados consigo mesmo. Hoje, mesmo diante do amplo conhecimento dos especialistas nas áreas de saúde, educação e espiritualidade – não se pode prescindir do autocuidado. E´ da responsabilidade do médico extirpar o tumor do paciente, mas é o autocuidado que fará a diferença na recuperação da Pessoa. O mestre espiritual ensina como meditar, mas a constância da prática dependerá da disciplina de cada pessoa. Enfim, a Cura, no sentido amplo da palavra, é responsabilidade do indivíduo, que muitas vezes terá que mudar seus hábitos, lidar com seus desejos e apetites, estimulando uns e domando outros.
O autocuidado é um exercício constante e intransferível. Para Michel Foucault: "Não se deve fazer passar o cuidado dos outros na frente do cuidado de si. O cuidado de si vem eticamente em primeiro lugar, na medida em que a relação consigo mesmo é ontologicamente primária”.
Muitas vezes encontramos profissionais da saúde que se ocupam do cuidado de todos menos do cuidado de si mesmo. Por outro lado, o profissional que se ocupa de seus próprios cuidados, experiencia em si, a verdadeira natureza dos processos de cura e se habilita a cooperar com outras pessoas na posição daquele que já percorreu o caminho.
Concluindo; a escola do bom terapeuta é o cuidado consigo mesmo, Jean Yves Leloup diz, “O terapeuta não cura, ele cuida. É o vivente que trata e cura".
A Eutonia é considerada uma prática de autocuidado, já que, ensina a pessoa a aprender sobre si em si mesma através da consciência profunda do corpo vivo. Esta é a base da ação terapêutica e pedagógica da prática da Eutonia.
Na busca de um caminho para cura , Gerda Alexander voltou a atenção para o próprio corpo, onde pode perceber as interfaces entre o corpo a mente e o espirito em constante diálogo com a tonicidade. Baseada nesta pesquisa elegeu o tônus como o foco principal da atenção. Percebeu que para cada reação aos estímulos internos ou externos do corpo havia uma variação de tônus. Foi assim, que a Eutonia se constituiu como uma filosofia de vida alicerçada na corporeidade.
O tônus pode ser um instrumento de aprendizado sobre si mesmo, guia orgânico, biológico que orienta nossos hábitos e comportamentos, mostra os desconfortos do corpo através das fixações e dos desequilíbrios tônicos. Atentos aos sinais do tônus, nos libertamos das ilusões pois a tonicidade desvenda a verdade de nossas escolhas na concretude do corpo, abre um caminho para que possamos perceber a realidade e eleger os cuidados reais, aqueles que estão em sintonia com a natureza humana.
São muitos os temas da Eutonia, entre eles a pele, o tato e o contato. Atualmente temos nos cursos de medicina Integrativa uma matéria denominada “A medicina do toque”, tal a importância desta área, que vem sendo tema de pesquisas que comprovam o grande poder “curativo” das mãos. Em eutonia iniciamos com o auto toque , uma ferramenta imediata de autocuidado, que ao “pé da letra”, está sempre“ nas nossas próprias mãos”.
“O auto toque – sentir a vida entre as mãos”
Quando pensamos em auto toque, imediatamente aparece a imagem das mãos, mas observe neste exato momento, como seu corpo é tocado por outras partes diferentes. Independente das mãos, veja como suas coxas encostam uma na outra, como a parte de dentro dos braços toca seu tronco ou como a pele dos dedos das mãos e dos pés também se tocam uns nos outros. Estes detalhes, presentes em nossos hábitos cotidianos são extremamente importantes para saúde. O filósofo Françoise Dagonet cita em seu livro La Peau Découvert pesquisas comprovando que “os animais submetidos a privação da auto apalpação, ficaram gravemente perturbados (…) o cerebelo dos macacos tratados desta maneira mostra, ao exame, evidentes desordens celulares. Surge uma patologia neuro dérmica que acomete também aqueles que sofreram apenas “uma separação parcial”. (Dagognet, Francois “La peau découverte”,1998, França, pag 146)
O auto toque é uma prática terapêutica. Seus benefícios podem ser ampliados quando prestarmos atenção às sensações do corpo. Tocar a si próprio traz a sensação de contorno, de superfície, de contato íntimo consigo mesmo, amplia a percepção do auto observador ativo e atualiza a imagem inconsciente do corpo. O auto toque revela aspectos da biografia do próprio corpo e traz à luz as impressões marcadas pela existência. Por todos estes motivos, o auto toque nos direciona para a cura em seu sentido amplo, e “se esta palavra pudesse falar, esperar-se ia que contasse uma história… Acredito que CURA em suas raízes, signifique Cuidado. ” (D.W.Winnicott, em palestra proferida a médicos e padres na Igreja de São Lucas – “Tudo começa em casa” -1970 – pág. 105)
Nas aulas de Eutonia o professor orienta o auto toque com precisão, dirigindo a atenção para sensações que emergem da pele como a temperatura e as texturas, tão como, para a localização e a forma dos ossos, ou para o volume da parte do corpo que é tocada. Ajudando o aluno a perceber as sensações abstratas através da concretude do corpo. Adicionando ao físico, os sentimentos, emoções e os pensamentos. Construindo a consciência da interface entre o corpo biológico permeável a vida, aos processos mentais, psíquicos e espirituais. Religando a todo instante o subjetivo ao objetivo no contexto do ambiente. Esta prática potencializa a representação do corpo no cérebro e atualiza a imagem inconsciente do corpo. Nota-se também, um aprendizado na sofisticação do vocabulário. Os alunos passam a encontrar palavras e expressões apropriadas para descrever com precisão e clareza as sutilezas das percepções de conteúdos objetivos e subjetivos dos processos do corpo próprio.
Enfim, não há ideia na mente de uma pessoa que antes não tenha sido gerada nos órgãos dos sentidos. O contorno, a forma e o espaço do mundo exterior da realidade, as figuras e os fundos dos quais elas emergem, são gradualmente construídos pelo bebê a partir dos elementos básicos de sua experiência, que entra por todos os seus sentidos, sempre correlacionados mensurados e avaliados pelo critério do tato. ” (Dagognet, Francois “La peau découverte” 1998, França, pág.146)
Praticar Eutonia no auto toque, isto é, observar as variações do tônus durante o auto toque, produz autoconhecimento e repara a história do corpo adulto em seu espaço e tempo atual.
Esculpir o corpo, remodelar e reajustar a percepção através do toque promove o Com –Tato imediato com o tônus muscular. Esta expressão da tonicidade do corpo em sua constante variação de flexibilidade, ajuda a pessoa a eleger seus verdadeiros cuidados na direção da Saúde e da Cura.