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A eutonia e o tratamento da dor
A partir de um relato de caso, a autora explora os benefícios do tratamento em eutonia para situações de intensa dor física.
Um senhor tinha iniciado há pouco tempo sessões de eutonia comigo, depois de uma longa pressão de sua mulher para que ele cuidasse de sua postura. Com uma cifose dorsal e uma lordose cervical (na região da “corcunda” e do pescoço) bastante acentuadas, ele começava só então, aos cinqüenta anos, a apresentar quadros de dor. Um pequeno acidente doméstico causara nele uma lesão na coluna, que lhe provocava tanta dor, que resolveu me ligar. Depois de me contar a enorme quantidade de remédios que estava tomando para aliviar a dor, (o que, por sua vez, estava prejudicando terrivelmente o seu estômago) o quanto sofria para dirigir, para andar, para dormir, soltou a sua fantástica frase:
- Então é isso, querida. Quando melhorar, eu volto.
Levei um susto. Como assim, quando melhorar é que volta? Percebi que ele não tinha entendido ainda o que era eutonia e para quê ela poderia lhe ser útil, e seria urgente esclarecer esta questão.
A delicadeza com que o profissional de eutonia toca o corpo de seu aluno-paciente é uma de suas grandes qualidades mas, justamente por isso, as pessoas compreendam tão mal, por incrível que pareça, que elas estão sendo, efetivamente, cuidadas. Por que as pessoas precisam de toques invasivos, ou precisam se sentir massacradas pela mão do terapeuta para crerem que efetivamente está sendo feito algo em seu corpo? Só pela força se alcança a profundidade do problema? Pois digo que é justamente pela sua delicadeza que uma sessão de eutonia pode sim ser aplicada em plena crise de dor e não só quando ela tiver ido embora, para uma simples manutenção da “máquina corporal”. Eutonia é uma ótima forma de manter a saúde do corpo e o seu bem estar, mas também pode ser um tratamento.
Numa maneira muito simplista de explicar, há dois tipos básicos de dor. Um é aquele que é fruto do excesso de tensão muscular. Esse aumento de tensão pode ser causado pelo estresse, pela má postura corporal, pelos movimentos repetitivos do trabalho, ou às vezes até por causa do frio, mas o que conta é que esta dor está ligada à diminuição da elasticidade dos músculos, e esta rigidez está intimamente ligada à falta de espaço interno: um músculo mais rígido tem mais dificuldade de relaxar, porque fica fixado num único estado de contração, e deixa de alternar entre o estado de mais tensão e o de pouca tensão, como toda fibra muscular saudável deveria ser capaz de alternar.
Essa rigidez muscular diminui a circulação de sangue em toda a região, diminuindo, portanto, a oxigenação dos tecidos e aumentando a concentração de toxinas – o que, por sua vez, também causa a sensação dolorosa. Além do mais, músculos mais tensos e, portanto, curtos, comprimem articulações, limitam a amplitude do movimento, podendo causar compressão de nervos e gerando quadros inflamatórios: a dor surge em estados mais crônicos ou agudos. Esta é a dor fruto do excesso de tensão.
O que pouca gente talvez saiba, é que também há a dor por falta de tensão muscular. Pouca tensão em certos músculos compromete a sustentação do corpo como um todo, prejudicando a postura e fazendo com que a pessoa se apóie em ligamentos ou em estruturas ósseas que não foram feitas para suportar o peso do corpo.
Um exemplo disso são as pessoas que têm uma hipotonia corporal tão grande a ponto de não conseguirem se sentar sobre os ísquios, região óssea da bacia que deveria ser a diretriz de um bom posicionamento da posição sentada. Esta pessoa, ao invés de se sentar sobre os ísquios, senta-se sobre o cóccix, o finalzinho da coluna vertebral, na parte mais baixa do sacro. Esta parte baixa do sacro não tem estrutura para receber o peso da bacia e do tronco, além de ser também uma região bastante inervada, e assim a pessoa sofre de dores muito fortes. Essa pessoa não precisa relaxar a região das costas e da bacia. Ela precisa aprender a sustentar seu corpo do jeito certo, ela precisa de mais força para parar de machucar o seu cóccix.
E eutonia, como o próprio nome diz ( tônus bom, equilibrado, adequado) tem recursos para estimular o equilíbrio da tensão, ou seja, para ensinar à pessoa como encontrar e manter um grau de tensão não só bem distribuído pelo corpo todo, mas que seja realmente elástico de acordo com as atividades que qualquer ser humano precisa para viver, ou seja: um corpo que possa relaxar na hora de dormir e encontrar a forma do sono, e um corpo que tenha atenção e sustentação para um exercício físico, para uma caminhada, para dirigir um automóvel ou para ficar horas diante de um computador.
Voltando à questão da delicadeza, a eutonia proporciona alívio para as mais diversas dores justamente porque não se utiliza de movimentos bruscos para tirar à força o que parece estar errado naquele corpo. È óbvio que se uma pessoa chega ao meu consultório em plena crise de hérnia de disco na cervical, por exemplo, não serei eu que a farei fazer torções ou movimentos arriscados num momento em que a região precisa de repouso e nenhum toque. Mas qualquer alívio na região do trapézio, dos ombros, na região do diafragma – que provavelmente estará quase imóvel por causa da dor – ou até mesmo uma sutil tração na região cervical, poderão lhe causar alívio tanto em sua dor, como na alteração de sensibilidade que ela talvez apresentará num dos braços, quando não nos dois.
Da mesma forma, numa lombalgia aguda, quando a pessoa mal pode se mover ou sequer sair da cama, quanto mais se puder ajudar este corpo a soltar a tensão dos pés, da bacia, e, novamente, do diafragma, mais rápido esta pessoa pode se livrar da dor, uma vez que ao ajudarmos a reorganizar o grau de tensão de sua musculatura vizinha à região afetada, e ajudarmos a re-estabelecer seu movimento respiratório, estaremos contribuindo com a interrupção do processo de enrijecimento do seu corpo, enrijecimento este que causa e mantém a dor.
Com calma pude explicar àquele senhor que a eutonia não é um trabalho milagroso, mas que poderia provocar uma diminuição de um estado muscular que prolongaria sua dor; que pode proporcionar, sim, uma certa analgesia, e que em vez de tirar férias, ele deveria fazer mais do que uma sessão por semana até que sua dor cedesse e ele pudesse voltar ao seu ritmo normal de vida. Ele compreendeu, confiou, e de um extremo ao outro, pelo seu alto grau de sofrimento naquele momento, decidiu fazer uma sessão diária na primeira semana.
Depois de três sessões já pôde diminuir a quantidade de remédios que estava tomando. Na segunda semana de tratamento (na qual passamos a fazer três sessões semanais), conseguiu ficar sem nenhum analgésico, e depois de mais quatro semanas voltou a fazer uma sessão por semana, e aos poucos seu cotidiano pôde voltar ao normal.
Eutonia não é só para quem tem dor, mas para quem tem dor é de uma ajuda ímpar. Infelizmente poucos médicos conhecem este trabalho tão delicado e cuidadoso quanto profundo. Mas nós, eutonistas, estamos abertos a quaisquer contatos que médicos ou pessoas acometidas pelas mais variadas formas de dor queiram fazer, prontos a responder às perguntas e disponíveis para trabalharmos em colaboração ao lado de médicos, fisioterapeutas e quem mais quiser unir seus esforços aos nossos, na busca do alívio da dor que incomoda a tanta gente. Muitos pacientes chegaram a mim dizendo – palavras que ouviram de seus próprios médicos – que o que lhes restava seria aprender a conviver com a própria dor, numa atitude de resignação.
Não acredito nisso: na imensa maioria das vezes, salvo casos irremediavelmente cirúrgicos, é possível diminuí-la, e muitas vezes eliminá-la por completo. Para isso é preciso tentar, se entregar, e estar disposto a viver uma vida em que haja menos sofrimento e mais prazer. Entre outras coisas, a eutonia se propõe a isso: ampliar o conforto da pessoa no seu próprio corpo.